quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Intolerância intrarreligiosa

Temos trazido à reflexão o tema – e não sem motivos – da intolerância que as religiões que possuem influência das matrizes africanas têm sofrido em nosso país (desde sempre, infelizmente).

Basta nos atermos à história e verificaremos que os cultos cristãos-europeus foram (e são) os que mais resistência ofereceram. Já tivemos a oportunidade de tecer comentários sobre possíveis razões que fazem com que os intolerantes sejam assim chamados. Via de regra, fora as motivações políticas escusas, não aceita e critica o outro aquele que não conhece ou não querer se esforçar para conhecer. Ou ainda, os que buscam informações em lugares não confiáveis sobre a verdade (os fundamentos, as bases e as práticas) da religião.

Entretanto, hoje, voltemos nossa atenção para um processo mais doloroso de intolerância: aquela que vem dos que se dizem “irmãos de fé”.

Ainda que nossa explanação possa servir para muitas expressões religiosas, trataremos, aqui, de focar somente na Umbanda. Sabemos que somos uma religião plural, pois em nossas bases recebemos diversas influências (africana, européia, indígena, oriental, etc.). Isto nos torna belissimamente multicoloridos e, ao mesmo tempo, passamos a enfrentar alguns problemas devido ao fato de não termos uma uniformidade nas práticas.

Se já nos machucam as pedradas (e entendamos por pedra as físicas bem como as ofensas) daqueles que não nos conhecem e se armam das notícias inverídicas maldosamente espalhadas, imaginemos a dor que sentimos quando percebemos que o apedrejamento vem de “dentro de casa”.

Não “tapemos o sol com a peneira”. Há, entre aqueles que se dizem umbandista, alguns que não conseguem entender a prática alheia. Tão ensimesmados são capazes de dizer que qualquer coisa diferente dos processos de seu terreiro não é Umbanda. Se arvoram em criticar e só enxergam as suas verdades. Acaso conseguimos definir como única a Umbanda? Se a Casa de um irmão tem por base algo que a minha não tem, a dele não é Umbanda? Que pretensioso eu sou!

Por diversas vezes, dissemos (e seguiremos dizendo) que se a sua casa é de Umbanda, a Umbanda não é só a sua Casa.

É bom que ressaltemos (e é bem verdade) que, ultimamente, temos visto um grande número de lugares e pessoas se dizendo umbandistas, com práticas que denigrem a religião e ferem os fundamentos do que somos. Aqueles famosos “marmoteiros” que fazem trabalhos de magia que não condizem conosco ou os que “incorporam” entidades no mínimo, esquisitas (para não dizermos aberrações). Contra esta categoria temos que lutar! Temos que ganhar voz todos nós: dirigentes de terreiros, médiuns, ogãs, frequentadores de boas casas, etc. Não podemos nos calar diante de fatos tão grotescos que denigrem a nossa fé.

Mas devemos ter muito cuidado para que não acabemos indo para o extremo da intolerância, pois se assim o fizermos, estaremos agindo da mesma forma como os nossos detratores têm agido conosco ao longo dos anos.

Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Antes de apontar o dedo para uma prática umbandista, lembre-se de investigar o que a conforma. Busque conhecer qual é a história daquele local, quem são as pessoas que constituem o terreiro. Não corra o risco de criticar antes de buscar entender.

Intolerância é crime de qualquer jeito: seja partindo daqueles que estão “de fora” como os que se julgam “estar dentro”.

Axé!

Nosso Saravá!

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Orixás e sexualidade

Perdoem-me se estou ficando velho e/ou chato. Mas vejo coisas, neste mundo de meu Deus, que me espantam ao mesmo tempo em que me indignam. Questiono-me, diante das coisas que aprendi sobre a religião e me sinto perdido, achando que ou estou anacrônico demais, ou as pessoas estão perdendo o tino. Se é esta segunda opção a que ocorre, já passou da hora de haver um movimento que contenha os absurdos ligados à Umbanda.

Chegou ao meu conhecimento, pelas redes sociais, um post divulgando uma festa com base nos Orixás. Até aqui, nada de mais! Quantos terreiros promovem festas em nome de seus Pais e Mães, patronos de suas Casas? Entretanto, e para meu espanto (a rima é proposital), será uma festa em homenagem aos orixás gays.

Antes de qualquer acusação infundada sobre intolerância ou preconceito, o que aqui exponho não está ligado a nenhuma orientação sexual. Sabemos – e é notório – que de todas as expressões religiosas, as que têm influência das matrizes africanas somos as mais abertas a qualquer tipo de posição ideológica, étnica ou sexual. Não se trata disto. A reflexão é sobre a confusão que se faz (ou estão fazendo) com relação às lendas que antropomorfizam os orixás e o que eles são em verdade, no plano espiritual.

Para que fique claro, temos que entender que Orixá não tem vínculo sexual, Orixá não tem relações carnais. Resumindo, Orixá não é de carne e osso, logo não tem relação sexual hetero, homo, bi, ou qualquer outra forma de troca de energia através de sexo.

Reforçando o esclarecimento sobre a ideia de orixá compreendido como ser humano e orixá como qualidade do Divino Superior, tomemos como exemplo outra religião. Os católicos referenciam a santidade de alguns homens e mulheres que, durante seus períodos na Terra, tiveram conduta ilibada a partir do momento em que se voltaram para Deus. São exemplos de conduta religiosa e devem ser seguidos. Isto são histórias contadas para mostrar aos fiéis que é possível ser “santo” em vida e seguir os ensinamentos do Mestre Jesus.

Da mesma maneira, lendas africanas nos são contadas, onde os personagens são os orixás como seres humanos com suas qualidades, defeitos, virtudes e limitações (todas inerentes ao viver na Terra).

Um dos motivos que leva as religiões a transmitirem narrativas, contos, fábulas (muitas com base reais, outras não) é o fato de servir de modelo de conduta e superação das dificuldades e obstáculos da vida. A redenção e salvação são os ingredientes que servem de base às histórias dos “santos”.

Compreendidas tais estruturas de ensinamentos, resta-nos dizer que a confusão entre uma conduta mundana e o plano espiritual se deve a interesses que fogem à doutrina religiosa. Ou separamos as questões, por força da lógica e da inteligência, que orixá não tem comportamento de gente ou corremos o risco de macular os fundamentos que sustentam nossas religiões.

Não se trata aqui de apologia de guerra contra os que lançam mão de informações truncadas (e equivocadas) sobre a força espiritual em detrimento de quererem dar vazão aos seus desejos mundanos. Façam festas específicas para públicos específicos (apesar de eu achar que isto reforça a segregação, mas isto é outra história), mas não passem conceitos errados para leigos ou neófitos. Isto é perigoso e pode “pintar” um quadro deturpado da realidade.

Se as religiões que possuem influência de matrizes africanas já sofremos preconceito e violências de toda ordem, imaginem quando uma notícia de festa para orixá gay chega “aos ouvidos” dos que estão procurando um motivo para nos destratarem?

Reafirmo (pelo que aprendi na estrada do meu percurso religioso) que Orixá não tem denominação ligada à atributos humanos. Orixá é a manifestação do Trono de Deus, é Força da Natureza e coroa de nosso Ori, é luz em nosso caminhar. Assim, termino meu momento de reflexão pedindo aos que deitarem seus olhos neste texto: respeitemos a ancestralidade que nos trouxe até aqui e há de seguir guiando-nos até os últimos dias de nosso viver. Não confundamos nossos desejos com a beleza do panteão divinal que sustenta nossa Umbanda!

Muito axé

Nosso Saravá