terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Cortando na própria carne

Sabemos que desde sempre, sofremos o preconceito de muitas denominações religiosas (principalmente as mais vinculadas à cultura europeia). Já no sangue e suor das chibatas, os nossos ancestrais negros tinham que esconder suas crenças, disfarçá-la no culto aos santos católicos para encontrar conforto e alento dos seus orixás para aguentar as agruras da escravidão.

O cenário mudou para a urbanização das cidades, mas as perseguições seguiram. Apesar da criação de leis que punem todo tipo de intolerância, consagração de Dias comemorativos etc., ainda vivemos conturbações e falta de compreensão. Somos atacados; as Casas de santo quebradas; xingam-nos de adoradores do “outro”, ou seja, a ignorância galopa a passos largos e as consequências vemos expostas nos diversos tipos de mídias.

Entretanto, não podemos “tapar o sol com a peneira”! Nossas religiões que possuem também influências africanas enfrentam problemas internos. Por diversas razões (uma delas talvez seja a falta de dogmas e regras escritas), há uma diversidade de práticas que acarretam em distanciamentos de leis fundamentais. Agora, então, na Era cibernética – ou pós-moderna, como quiserem – vemos “invencionices” que atrelam à Umbanda. São associações com outras artes adivinhatórias; inserção de falanges duvidosas, e tantas outras coisas que nos assustam.

E os leigos “do riscado da pemba” nos julgam pelo que veem. Tomam o todo pela parte. Em outras palavras, os que nos criticam o fazem por verem tanta tolice intitulada como umbanda. Eles já não querem mesmo nos respeitar, e ainda têm essas informações truncadas e equivocadas… olha “o prato cheio” para lançarem suas farpas sobre a religião.

Já passou da hora de uma atitude ser tomada. Uma religião inteira não pode “pagar” pelos desmandos de alguns. Já sofremos (no passado e no presente) muito para que tenhamos dentro dos próprios terreiros quem suje a nossa imagem com as tintas escuras da marmotagem.

A Umbanda, como um todo, e seus princípios precisam de resguardo. Não estou aqui levantando bandeiras de policiamentos ou repressões. Creio firmemente que nosso dever reside em usarmos da palavra como instrumento de alerta e disseminação do que realmente nos conforma.

É hora, é hora! Não é possível ver tantas coisas em nome de nossa religião servindo de argumento para os detratores da Umbanda. Se até nós reconhecemos que algumas práticas são mentirosas, ardilosas e difamadoras, o que podemos esperar dos que buscam avidamente motivos para nos vilipendiar?

Lembremos, aqui, alguns fundamentos básicos de nossas Casas:


  • - somos uma religião que prega o amor e a caridade (não cobramos por isso);
  • - nossas tradições, em sua maioria, transmitidas pela oralidade, são sagradas;
  • - temos os mistérios da religião, mas não somos misteriosos;
  • - não cultuamos como um de nossos deuses a figura, criada pela tradição cristã, do chefe dos portais do plano infernal;
  • - não atribuímos títulos de líderes religiosos em cursos. Nossa formação sacerdotal é tempo de aprendizado no chão do terreiro, respeito aos mais velhos, olhos e ouvidos atentos e, obviamente, a orientação do Plano Superior;
  • - estudamos sobre a religião sim, mas não somos escola de “ensinar a ser umbandista”. As informações JAMAIS substituirão a formação;


- Repeito, fé e dedicação constituem o sustentáculo da Umbanda!

Por isto, meus irmãos de fé, sejamos o vento que tremula a “bandeira de Oxalá” parar que, desfraldada, ela mostre ao mundo inteiro a nossa Umbanda!

Axé e Saravá!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Querer, precisar e merecer

Três verbos que não são exclusivos para a compreensão dos irmãos de fé umbandistas. Entretanto, como nosso blog tem por objetivo colaborar com as reflexões sobre a religião de Umbanda, vejamos qual a relação existente entre eles, tomando como exemplo uma conversa entre um consulente e um preto velho.

Era dia de consulta e a moça, muito aflita, espera o momento de conversar com o preto velho. Chegada a sua vez, ela se senta diante da entidade, pede-lhe a bênção e desata a falar:

- Vô, estou muito nervosa. Preciso muito da sua ajuda para resolver um problemão!

- Que que “suncê” qué desse nego, fia?

- Tô querendo muito mudar de cidade, vô! Não aguento mais a minha família. Depois que minha mãe e meu irmão morreram, minha cunhada e meus sobrinhos têm me desprezado muito. Como eles moram perto de mim, vejo sempre da janela que eles fazem festas, reuniões de família e nem ligam que eu existo. Quero muito ir embora. Preciso, vô! “O que os olhos não veem, o coração não sente”, não é isso que dizem?

- Antes de carquer coisa, fia, suncê pricisa entender argumas coisas. Nem sempre o que se qué é o que se pricisa. Num é ansim não!

- Como não, vô? Eles me maltratam ignorando minha existência!

- Suncê é qui tá falando que eles martratam suncê. Vô explicá pra suncê! Das vez, quando arguma coisa incomoda a gente, a gente pricisa entendê purque ela incomoda, num é? Já se pirguntô purque eles faz isso? Num tô falando que eles num tem culpa não. Mas aqui, o importante é vê como suncê podi crecê como pessoa. Sinhá, quando insinava pros moreque da senzala sobre as coisa da bríblia, dizia: “se o seu dente mordi a sua língua, suncês arranca o dente fora?” E isso é vredade. Si arrancá o dente resolvesse a questão, todo mundo ficava era banguela pra num tê probrema, num é?

- Mas se eu me mudar, vou esquecê-los também e sofrer menos.

- Suncê tá certa disso?

- Bom, eu acho, né, vô!

- Oia só, nem sempre o que as pessoa qué é o que elas pricisa pra melhorá, sabia? Nem sempre o que se acha que se pricisa é o que elas merece. Suncê já parou pra pensar proquê Pai Oxalá corocó suncê ali naquele lugar? Num tô farando que num é pra saí. Tô farando que antes de pedir, pricisa escutá o coração e a alma pra senti o que realmente é importante.

A conversa levou um bom tempo, a jovem, secando as lágrimas, prometeu ao preto velho que durante a semana toda refletiria sobre a conversa para na outra consulta voltarem ao assunto.

O maior ensinamento da conversa entre o preto velho e a moça reside em um dos fundamentos mais bonitos da Umbanda: a melhora interna de cada um. Nossa religião não é comércio onde a pessoa chega, escolhe a mercadoria exposta e leva para o caixa para pagar. As entidades de luz que “baixam” em nossos terreiros nos ensinam, a todo tempo, que viver é buscar atravessar as dificuldades da vida, sem perder a fé! Nenhum umbandista pode ter em mente que, pelo simples fato de frequentar uma Casa santa, ele se livrará de tudo aquilo que “pensa” ser um estorvo.

A Sagrada Lei de Umbanda nos mostra nossas fragilidades, como também nos faz crer na força que temos. Com o cotidiano e a convivência do terreiro, vamos aprendendo que não somos infalíveis e muito menos inatingíveis, mas somos protegidos! As religiões espiritualistas não estão para nos servirem como “moeda de troca” segundo a visão equivocada de alguns. O contato com as forças das naturezas manifestadas nas formas plasmadas de entidades nos traz a oportunidade de autoconhecimento.

Esta é a razão mais clara de entendermos que nem sempre o que queremos é o que precisamos. Muitas vezes, para nosso maior aprendizado, o plano divino nos permite estar em situações onde enfrentá-las é mais importante do que nos afastar. O “livramento” reside na questão do merecimento que não é julgado por nós. Não temos condições, ainda, de sermos os juízes isentos das nossas próprias atitudes. Tudo fica a cargo e critério do divino.

Desta maneira é que as palavras do preto velho na conversa com a jovem aflita se fazem sábias. Antes de “pedir” qualquer coisa, devemos ter um exame criterioso sobre nossos dias para entender se o que “desejamos” é possível (e por que é) ou se “precisamos” estar (ou viver) algo e, ainda, se é de nosso merecimento!

Por isto, caro amigo, irmão do caminhar, antes de pisar no terreiro para pedir, ouça a sua alma e pergunte-se:

quero, preciso ou mereço.

Ninguém está dizendo que não lhe é facultado pedir. Estamos dizendo que é preciso estar preparado para vivenciar as experiências que a vida nos reserva com força, foco e fé!

Saravá, Umbanda. Axé, irmãos.