quinta-feira, 28 de junho de 2018

O presente

Bem sabemos que o ensinamento pode variar na sua origem (geográfica ou filosófico religiosa), mas jamais deve se restringir por causa disto.

Não é o seu berço que proíbe o público que pode aprender e sim o limite de compreensão de quem se porta inflexível!

Tal introdução tem por objetivo justificar os motivos pelos quais nossa reflexão não tratará especificamente de Umbanda, mas, por ser bem aplicada por todo e qualquer umbandista que busque o seu crescimento, pareceu-me oportuno contar-lhe uma bonita parábola vinda do oriente.

Conta-se que um certo dia, Siddhartha Gautama – já iluminado, ou seja, já considerado o Buddha – estava sentado com os seus discípulos a sua volta. Aproximou-se deles um homem que havia escutado as histórias sobre aquele ser iluminado e como Ele ensinava sobre a não-identificação do ego e, com isso, o não-sofrimento.

Desconfiado e duvidando de tamanha santidade, o desafiador empertigado sentou-se também junto a todos e começou a proferir palavras ofensivas para o Senhor Buddha. Insultava-o com as mais duras e grotescas frases.

Todos, pelo inusitado da situação, estavam perplexos e estupefatos.

Acabadas as ofensas, cansado de tanto falar e xingar, o homem se calou. Um dos devotos, que presenciou a situação, dirigiu-se ao Mestre e lhe perguntou:

- Mas o Senhor não vai dizer nada? Este homem lhe ofendeu.

Sereno e demonstrando calma na voz, o Iluminado respondeu:

- A quem pertence um presente que você não quer receber?

O discípulo lhe disse:

- Ao dono do presente já que não se quer recebê-lo.

- Pois então. É exatamente isto. Como não reconheço como para mim o que este senhor trouxe, não o recebo. Não é meu!

Dizem que, envergonhado do que havia feito, o ofensor largou tudo na vida e passou a seguir o Buddha.

Trocando em miúdos, o que podemos depreender deste conto?

Quantas vezes nos enredamos diante daqueles que têm a capacidade de nos desestabilizar? Quantas vezes nos deixamos levar pelas provocações e terminamos tão iguais aos ofensores?

Não é uma tarefa fácil! Não, não é! Não é difícil “entrar na vibe” (como dizem hoje em dia) do desassossego, da fúria, das disputas e das discussões. Mas, a pergunta que gostaria de deixar para todos nós, que batemos no peito que somos umbandistas e aprendemos sobre fraternidade, caridade e amor, é:

Qual o nosso esforço em nos tornamos pessoas melhores? Até quando, diante das provocações – muitas vezes infundadas e tolas – responderemos da mesma maneira e gastaremos a nossa energia, quando poderíamos empregá-la de forma mais digna do título que atribuímos a nós mesmos como filhos de Zambi?

Pensemos nisto quando o ofensor vier nos provocar. Vale a pena? Somos iguais àquele que diz os impropérios?

Que Pai Oxalá nos abençoe a todos!

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Pai de santo de aluguel


Dê um peixe a um homem faminto e você o alimentará por um dia. Ensine-o a pescar, e você o estará alimentando pelo resto da vida.
                                               Provérbio Chinês.

Em tempos de terceirização dos serviços, as religiões – infelizmente – não escaparam. Vemos com tristeza que muitos sensitivos, agraciados pelos dons divino das percepções, colaboram para que outros irmãos permaneçam em condições de pedintes e acomodados. Por pensarmos que as razões são diversas, pretendemos aqui somente abordar as que nos parecem mais graves.
Não é desconhecido para nós que existem “serviços” de atendimentos espirituais das formas mais diferentes através das ferramentas tecnológicas que granjeiam pela rede mundial de computadores. Até aí, o mundo cibernético permite liberdades, entretanto, o sério da questão é: existem pessoas que acreditam nessas “verdades” e colocam (por desespero, solidão, falta de esclarecimento espiritual, etc.) suas vidas e decisões nas orientações ali encontradas. Quem não ouviu dizer de leitura de tarô por um processo randômico de seleção de cartas? Ou ainda (se não conheceram, conto-lhes), o que dizer das congregações que se prontificam a “acender” velas virtuais para os seus pedidos de socorro?
Estas práticas não são tão modernas, elas são modernizadas pela tecnologia. Digo isto baseando-me em minha própria experiência sensitiva. Muitas vezes, na tentativa de ajudar àqueles mais aflitos, disponibilizei meus contatos (fora do templo onde trabalhava) para que, em uma emergência, pudesse colaborar. Mas a medida e o controle do acesso é uma linha muito tênue e estabelecer o grau de necessidade também. Estes fatos fizeram com que algumas pessoas começassem a me telefonar (em qualquer hora do dia ou da noite), enviassem e-mails e mensagens escritas nos celulares, sempre com uma “consulta” a algo “muito sério” (segundo o conceito do pedinte).
Sempre orientado por meus mentores, comecei a “ouvir” deles que deveria ter cuidado com “tele-atendimento” e que fazia parte do meu aprendizado como médium saber dosar e ensinar aos irmãos como crescerem como seres e como conseguirem estabelecer a forma direta de contato entre eles e a divindade.
Meus questionamentos residem em pensar sobre quais os motivos que levam os sensitivos a colaborarem com a passividade dos “aflitos”. Quando se tem um canal aberto entre o sensitivo e o “consulente”, será que estamos realmente ajudando-o ou repetimos a antiga história contida no provérbio chinês que abre a nossa reflexão?
Quantas vezes, em conversa franca e fraterna, disse às pessoas que pediam ajuda que fossem ao terreiro para conversar com o Preto Velho. Na grande maioria das vezes, as respostas são muito parecidas: falta de tempo, empecilhos, dificuldades de ir, etc. Será mesmo? Ou será que é mais cômodo pedir ajuda por celular ou e-mail e receber resposta?
Não estou sendo, em nada, exagerado, por uma simples razão: vivencio até os dias de hoje tais situações. Entender entre uma situação emergencial e um comodismo (alimentado pelo próprio médium) reside o aprendizado.
Uma sugestão para aqueles que passam pelas mesmas situações. Experimentem dizer para alguém que busca respostas prontas: “Vai lá no templo para uma conversa” e comecem a colecionar as respostas.
Tudo isso me leva a concluir, ainda que não de forma taxativa ou definitiva, que somos os responsáveis pela colaboração do estado de pedinte dos irmãos. Questiono-me: será que há algo de uma vaidade velada que nos diz que somos bons médiuns e é por isso que as pessoas confiam em nós e temos “o dever” de atender? Será que nos perguntamos se aquele que acorre a nós está mesmo disposto a mudar sua condição diante da vida ou está acomodado com “tenho um pai de santo de aluguel” para resolver os meus “problemas”, basta falar com ele.
Reitero: não estou sendo duro. Estou refletindo sobre toda a finalidade da religião que é ligar a criatura ao Criador. Até onde não estamos nos deixando levar?
Espero, sinceramente, que eu não recaia nas armadilhas do ego que, de forma muito esperta, disfarça-se das desculpas da solidariedade e me fazem ser menos irmão que ajuda a crescer do que aquele que dá as respostas. E como médium, que resposta onipotente posso dar se tão humano sou a ponto de me equivocar na real medida do auxílio?
Considere a sugestão de começar a pedir para as pessoas irem ao templo, da mesma forma que você vai, dizendo-lhes o que justamente você vai lá buscar.
Esforço, dedicação e convivência são grandes mestres das congregações religiosas. Não prive os demais desta oportunidade.