sábado, 21 de março de 2020

E vamos da mesma história: quaresma or not quaresma

Resgatando e atualizando o tema, todo ano a mesma querela. A Umbanda respeita o período da quaresma ou não? O mais sério da questão não é a resposta e sim os embates que os próprios umbandistas enfrentam. Como se não fosse suficiente a pressão da intolerância que sofremos de outros segmentos religiosos, nós mesmos nos desgastamos com opiniões taxativas e rancorosas.

Já em um texto, publicado no dia 15 de março de 2017, expressei a minha opinião e tentei apresentar tantos os argumentos que justificam uma casa de Umbanda seguir alguns preceitos cristãos durante os quarenta dias posteriores à quarta-feira de cinzas, como as justificativas de outros terreiros em não manter a tradição religiosa.

De toda esta introdução, o que podemos destacar a não ser concitar os irmãos de axé a darmos exemplos de respeito ao que nos é diferente?

O que ainda não ficou claro na mente de alguns é que cada casa tem suas práticas e sua formação doutrinária. Não é sabido pela grande maioria que a religião de Umbanda tem fortes influências das matrizes africanas, europeias e ameríndias, principalmente. Há alguém que não sabe disto? Se ainda existem os que desconhecem, expliquemos mais uma vez:

Determinados terreiros mantiveram seus alicerces históricos anteriores ao advento de 1908, com o anúncio de “uma nova religião” trazida pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas. Tais templos ainda se baseiam nos ritos da população escrava, miscigenada e rejeitada pela sociedade, como por exemplo, as macumbas cariocas. Nestes lugares, o sincretismo era mais do que uma interpretação de religião, era a solução para a sobrevivência.

Assim, para minimizarem as perseguições (se isto fosse possível), seguiam o calendário da religião dominante no Brasil. O respeito à quaresma, além de ser conveniente não resistir, subjazia uma crença, também, de que o resguardo do período era favorável à proteção espiritual. Em outras palavras, as práticas religiosas, ainda que com profundos vínculos com as raízes africanas, também, incorporavam a outra vertente do credo nacional. Tínhamos, portanto, o que se denomina ressignificação de antigos exercícios em um novo cenário. O encontro de diferentes culturas (africana e europeia) em um único painel gerou uma perspectiva inédita. Nasciam assim os preceitos que mesclavam diferentes origens em um mesmo campo (as religiões sincréticas brasileiras).

Temos ainda casas espiritualistas que afirmam que o episódio “quaresma” pertence às religiões judaico-cristãs e, por esta razão, não precisa estar no calendário umbandista.

As justificativas são muitas para se inserir ou descartar os eventos e costumes religiosos. Algumas apelam para a tradição e outras para questões espirituais. Seja como for, o mais importante é entender que não se pode enclausurar a Umbanda como senhores inquestionáveis de uma verdade, correndo o risco de alimentar a visão alheia de que somos periféricos e carecemos de sacralidade. Evitemos, por amor à nossa religião, deferir as flechas das acusações em direção àqueles que, assim como nós, praticam o amor e a caridade (bandeira da Umbanda). Como não me canso de dizer: se o seu terreiro é de Umbanda, não pense que a Umbanda é só o seu terreiro.

Irmãos de fé, devemos nos unir contra aqueles que denigrem a imagem da religião com “marmotagens” e distorções que ferem a sagrada lei de Umbanda, sem gastar energia supondo que respeitar ou não um rito como a quaresma nos torna mais ou menos umbandistas.