terça-feira, 27 de novembro de 2018

Vozes de alerta para a Umbanda

O ritual é sempre, mais ou menos, o mesmo. Após ouvir, ler e me expressar em um debate de tema sensível, isolo-me em meus pensamentos. Assim foi esta semana quando, em um grupo do qual faço parte, a ideia central era: o que estão fazendo com a “nossa” Umbanda?

Nas discussões e nos posicionamentos (aliás, na grande maioria, muito lúcidos e realistas), vi diversas áreas em comum com minhas opiniões e percepções que externo agora em formas de questionamentos.

A Umbanda é plural. Um dos motivos de sua diversidade deve-se a não estar vinculada a dogmas e outros alinhavos organizacionais como outras religiões. Deixarei de lado as questões relacionadas às origens de suas matrizes escravas e os problemas advindos das relações sociais.

Quero centrar-me na ausência de um direcionamento normativo. Não há um livro sagrado, não há um único líder a ditar normas e nenhuma obrigatoriedade de responder a qualquer organismo político por suas práticas e formas de conduzir as cerimônias. Em suma, sem medo de errar, cada casa pode praticar a religião de sua forma.

Se por um lado não são amarras, por outro, vemos surgirem tantas diferentes maneiras de interpretação, que esbarramos (também sem o menor receio de estar afirmando uma bobagem) com alguns distanciamentos de fundamentos que nos levam a questionar se se trata mesmo de Umbanda.


"Em um terreiro, todos têm as mesmas condições de aprenderem tudo da mesma maneira e no mesmo tempo?"


Ouvi uma história tão séria e tão perigosa naquela conversar do grupo que me referi acima, que pareceu-me oportuno trazer à reflexão.

Um jovem procurou um Pai de Santo e lhe perguntou se ele poderia fazê-lo sacerdote também. O Zelador da Casa, calmo e cuidadoso, explicou que para que uma pessoa se torne Sacerdote há um caminho longo (de tempo e de aprendizado). Continuando a explicação, disse que já havia feito isso com outros Filhos e que requereria um processo diferenciado, com recolhimentos, rituais específicos, fases a serem vividas e vencidas, etc.

O rapaz agradeceu a atenção e se foi. Nunca mais o Pai de Santo viu o candidato a zelador. Passado algo como um ano, ano e meio, para a sua surpresa, o “velho” sacerdote deparou-se com um novo dono de terreiro. Sem que seja surpresa nenhuma para o leitor, era aquele novato que havia buscado o templo pedindo para se tornar Pai de Santo.

Sem entrar nos meandros de uma análise particular, se o jovem trazia bagagem, se era sua missão, ou outro aspecto qualquer, o que o episódio suscitou em todos nós foi como conceber “cursos para formar médium”?

Em outros textos também apresentei alguns questionamentos sobre isto e, provavelmente, de forma veemente, demonstrei minha inquietação com algumas consequências que a modernidade tem trazido para a “raiz” da religião. Se a rede mundial de computadores facilitou muita coisa, também trouxe riscos como vemos de vídeos e “aulas” concedidas a qualquer pessoa sem o menor critério no que diz respeito à sensitividade. Para alguns basta pagar que recebem um certificado de magia, de compreensão de entidades, de estudo sobre orixás. Outros – procurando achamos – nem precisam “comprar” os cursos por serem grátis. Fala-se sobre qualquer aspecto de trabalhos para atrair amor, conseguir dinheiro, afastar “inimigos”, e um sem-fim de temas.

Permitam-me perguntar (será que estou sendo radical?): em um terreiro, todos têm as mesmas condições de aprenderem tudo da mesma maneira e no mesmo tempo? A máxima de que todo homem é sensitivo justifica o fato de que do outro lado da tela do computador, ele pode se “formar” como médium?

Haverá os que dirão que tais cursos têm por finalidade somente informar. Que a questão é o conhecimento e que a formação é no terreiro. Lindas as explicações, mas muito longe da realidade. Quem controla esta “verdade”? Quem pode afirmar (e acompanhar) que a pessoa que realiza um curso depois não se intitula sacerdote, mago, etc.?

Onde anda o cambono que aprende, dia a dia, com o Preto Velho? Cadê as “famílias de Santo” que, com alegria e disposição, vão ao terreiro para limpar o congá, para preparar a casa para a gira ou para conversar com a “Mãe” e aprender a tradição e as histórias? E o mais sério, onde estão as histórias que os próprios médiuns podem contar das coisas vividas em sua trajetória espiritual?

Irmãos, não proponho, jamais, um ato de repressão, pois caso contrário, agiria como os mesmos algozes que perseguiram nossos ancestrais. Meu único objetivo é registrar a necessidade de estarmos atentos para determinados rumos que alguns estão dando a nossa religião. Não tenho uma solução mágica para o problema, mas continuo a crer em uma forte maneira de combater desmandos e arvorados “donos” dos rituais religiosos: a propagação das ideias (inclusive, pelos mesmos meios que vendem a religião).

Não podemos nos calar diante do que nos parece equivocado. Não somos detentores da verdade, mas, pelo que pude ver nas falas de meus irmãos de fé, há algo que precisa ser feito. Assim, que nossas vozes ecoem aos quatro cantos para garantir a beleza de uma Umbanda variada e multicolorida, porém coerente com suas bases amor e caridade. Eis o nosso alerta!