quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Normatizar a Umbanda?


Grande parte da fraqueza das religiões afro-brasileiras
advém de sua própria constituição como reunião não
organizada e dispersa de grupos pequenos e quase
domésticos, que são os terreiros. (PRANDI1)

Em meu último post, deixei um “gancho” para esta nova reflexão. Diante dos atuais movimentos mundiais e os alertas que me passam pela mente com o que pode vir a acontecer (e o que já acontece de forma interna) com a Umbanda, creio oportuno, mas, ao mesmo tempo, deliciado e complexo, abordarmos a questão de uma orientação político-gestora para a religião.

Tenho lido bastante a respeito do assunto e minha cabeça tem dado muitas voltas. Meus irmãos de fé devem até me achar “chato” de tanto tocar nas mesmas teclas (pedido de perdão público a todos). Entretanto, a verdade é que devemos começar a fomentar algumas discussões no sentido de verificar como seria possível estabelecerem-se regras para a religião.

Antes que eu vire o alvo das pedradas, gostaria de dizer que tudo aqui ainda se insere no rol de um brainstorm. Nada fechado ou taxativo, inclusive porque, carecemos de um longuíssimo caminho de fundamentações e acertos entre os umbandistas.

Vejamos algumas considerações antes das conclusões:


  • A Umbanda não tem dogmas.
  • Não há um poder central que reja a religião.
  • Há diferentes práticas e formas de entender a religião.
  • Não há um consenso sobre uma nomenclatura que defina a Umbanda (ainda é branca, omolocô, traçada, etc).

Perguntas, baseadas em observações e percepções, surgem e esbarram nas considerações acima:


  • Quantos terreiros de Umbanda existem no Brasil?
  • Como se abre um terreiro?
  • Quem diz se uma casa é de Umbanda ou não?
  • Qual é o limite entre os fundamentos da Umbanda e práticas não-umbandistas?
  • O que outorga um médium a ser dirigente espiritual?

Não pretendo responder as questões, mas acredito que possa a ser um fio de meada que estamos precisando puxar.

No texto anterior, referi-me à “Carta Magna” que alguns segmentos da religião propuseram. Ato louvável de um direcionamento e convergência que, certamente, busca encontrar determinadas respostas que aqui expus. Porém (sempre há um porém), não me parece que o documento tenha resolvido todas as questões que vivenciamos como praticantes da religião. Aventuro-me a perguntar ainda:


  • Todos as diferentes formas de praticar a Umbanda fizeram parte do estudo? Se não temos um mapa completo de como a religião está em todo o país (e também no exterior), provavelmente a resposta à pergunta não pode ser afirmativa.
  • O que deve conter um documento que busque assegurar legalmente as casas umbandistas, se não temos uma única definição?
  • Não há um livro sagrado, não há amarras, mas há alguns desmandos que têm assustado os adeptos da religião. Como conter isto?

Novamente digo: a solução não é nada simples e nem imediata. Há a necessidade de se criar uma comissão que avalie quais as necessidades para a elaboração de um documento (a expressão “normatizar” me arrepia) que resguarde a religião sem ofender ou criar tensões discriminatórias de tantos e tantos terreiros espalhados pelos quatro rincões do país e que, sabe-se lá quanto tempo, são o oásis de paz e apoio de irmãos que buscam uma palavra amiga!

Imaginemos a absurda – e hipotética – situação: Após a criação e a aprovação de um documento que contenha as definições de rituais, crenças, conceitos, etc., em uma cidadezinha, no interior de um estado da federação, encontremos uma casa que se intitule como de Umbanda, mas que compreende a religião com algumas diferenças em relação à Carta (o nome dado ao documento parece-me dos problemas o menos relevante)? Fecha-se a casa? Coloca-se uma tarja vermelha na porta dizendo “esta casa não é de Umbanda”? O que fazer com os que depositam e depositaram sua fé no local por tanto tempo?


"A Umbanda é terreiro, é pé no chão."


Sem me alongar, pois meu objetivo precípuo nesta reflexão era somente levantar as questões, julgo que ações devem ser tomadas. Como já disse, urge a necessidade de formar um grupo de dirigentes e estudiosos sobre a nossa religião para começar a “rascunhar” os pontos relevantes a serem abordados em uma pesquisa consistente sobre a Umbanda. Após isto, o projeto deve ser legitimado junto aos órgãos políticos do país para que o respaldo do trabalho seja reconhecido como relevante.

Não proponho uma tese acadêmica. Seria contrapor-me a uma das bases mais importantes da religião: a simplicidade e objetividade. A Umbanda é terreiro, é pé no chão. Não somos mais vistos como uma seita que se esconde da polícia e nunca fomos uma prática para ludibriar. A Umbanda acolhe não o diploma ou o cargo que o homem possui. Nossa religião abraça o humano que é reflexo da luz do divino. Mas temos um corpo de adeptos capazes de estudar, discutir e propor soluções para a manutenção de nossa ancestralidade e garantir a permanência na contemporaneidade com o respeito e verdade que merecemos.

Eis o convite que, desde há muito, nosso hino nos faz: Avante filhos de fé/ Como a nossa Lei não há/ Levando ao mundo inteiro a bandeira de Oxalá.

É mais que hora de nos unirmos e mostrarmos que somos múltiplos, mas somos Uma só Banda. Na fé e na força de nossos Orixás, axé!


1 PRANDI, Reginaldo. O Brasil com axé: candomblé e umbanda no mercado religioso. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142004000300015. Acesso em 01/dez/2018.

2 comentários:

  1. Seria uma idéia criar a Federação Umbandista?

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  2. Caro irmão (ou irmã, pois como não está identificado não posso precisar o gênero kkkk):
    o assunto é complexo... alguns órgãos foram criados, começaram, acabaram, alguns permanecem, mas não há entendimentos. Um Fórum mais amplo seria o ideal...mas os "senhores da razão" não abrem mão de suas opiniões. .. mas é uma ideia que tem sido ventilada a de uma Confederação que congregaria todas as federações ...mas são só ideias incipientes ainda. Sabemos que algo precisa ser feito e urge o tempo .
    Gde Abç e Axé.

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