Somos Umbanda
Aqui só há espaço para reflexões sobre nossa religião. Jamais tensões ou provocações.
segunda-feira, 21 de novembro de 2022
Filhos de pemba
sexta-feira, 27 de novembro de 2020
Médium isento ou passivo?
Estes dias, estava relendo um livro sobre concentração mental para me aparelhar de mais informações que organizassem uma palestra que fui convidado a fazer em um Centro Espírita. O foco da minha participação no evento, com os médiuns da Casa, seria sobre os benefícios que a concentração traz para o trabalho espiritual.
E como “coincidências não existem”, neste mesmo período de preparo da palestra, uma pessoa me procurou para conversar sobre algumas dúvidas com respeito a responsabilidade de “veicular” as mensagens das entidades para os consulentes, em uma gira de Umbanda. Na conversa, tentei abordar o tema, tomando como referência a linha temporal da história da Umbanda. Meu mote foi o de que “antigamente, tinha-se a ideia de que quanto mais inconsciente era o médium, melhor era o acoplamento da entidade”.
Busquei mostrar ao meu interlocutor que aquela visão eximia o sensitivo de muitas coisas e, inclusive, “aliviava-lhe” o peso de qualquer encargo. A pergunta que eu fiz – e faço questão de manter – é: “então, qual o grau de aprendizado que temos no trabalho espiritual se, para qualquer coisa (sejam acertos ou falhas), são só “eles” os responsáveis?
Naquele diálogo, puxei da memória um episódio da minha caminhada espiritual que jamais esqueci.
Certo dia, na primeira casa onde trabalhei por mais de 30 anos, havia terminado uma fase dos atendimentos. Lá, trabalhávamos, principalmente, com o campo mental. O contato com o plano sutil se dava (pelo menos comigo) através das imagens que me eram projetadas na mente (clarividência). Quando demos por encerrada a atividade – sempre trabalhávamos em triângulo – eu disse para os outros dois “instrumentos” que estavam comigo: “Ufa! Hoje foi cansativo”. Referia-me a termos atendido a umas 10 pessoas naquela tarde de sábado. Imediatamente, sem me dar chances para colocar um ponto final na minha observação, ouvi, retumbante, em minha cabeça: “Como cansativo?”. Avisei aos meus irmãos que estavam comigo o que havia escutado e pedi que sentássemos para ouvir a mensagem que me estavam transmitindo.
Meu amado mentor, responsável sempre pelas minhas irradiações, manifestou-se e nos disse:
“Cada pessoa que se sentou diante de vocês, no dia de hoje, escutou uma orientação para a vida. Vocês ouviram 10. Então, eu lhes pergunto: quem foram os mais agraciados com as revelações divinas? Eles ou vocês? Como, desta maneira, podem reclamar de cansaço, se receberam tantas dádivas? É bem verdade que nos valemos de seus campos energéticos para transmitirmos nossas mensagens, mas se há cansaço, sem querer apontar erros, a distração na perda de energia é de vocês. Aprendam a controlar seus corpos e assim poderão aprender e apreender muito mais, sairão revigorados – e não esgotados –, podendo, inclusive, agradecer as benesses que Deus lhes concede.”
Terminado o ligeiro “puxão de orelha”, agradecemos imensamente mais um grande aprendizado e, daquele dia em diante, sem reclamar mais da quantidade, observamos a qualidade do que nos era ofertado pela Graça do Pai.
Encerro minha reflexão com uma pergunta para que pensem (como eu sempre me questiono): De que serve ter uma excelente entidade que dá lindas, valiosas e “certeiras” orientações, se nós como médiuns não aprendemos com elas?
Dizer “eu não sei de nada, foi ‘ele’ (ou ‘ela’) que falou, que mandou fazer, etc. nos assegura evolução? E o esforço de superação dos nossos limites e a dedicação ao crescimento espiritual para os quais encarnamos?
Não sei se a pessoa com quem conversei conseguiu aquilatar o valor do que hoje temos a nossa disposição como religiosos, mas, a questão que cala fundo em minha alma é que a relação entre a entidade e o médium vai além do atendimento em uma gira, é uma oportunidade ímpar de “por a serviço de todos” a união do plano espiritual e o melhor de nós mesmos como seres verdadeiramente humanos.
Saravá, Umbanda.
sábado, 21 de março de 2020
E vamos da mesma história: quaresma or not quaresma
Resgatando e atualizando o tema, todo ano a mesma querela. A Umbanda respeita o período da quaresma ou não? O mais sério da questão não é a resposta e sim os embates que os próprios umbandistas enfrentam. Como se não fosse suficiente a pressão da intolerância que sofremos de outros segmentos religiosos, nós mesmos nos desgastamos com opiniões taxativas e rancorosas.
Já em um texto, publicado no dia 15 de março de 2017, expressei a minha opinião e tentei apresentar tantos os argumentos que justificam uma casa de Umbanda seguir alguns preceitos cristãos durante os quarenta dias posteriores à quarta-feira de cinzas, como as justificativas de outros terreiros em não manter a tradição religiosa.
De toda esta introdução, o que podemos destacar a não ser concitar os irmãos de axé a darmos exemplos de respeito ao que nos é diferente?
O que ainda não ficou claro na mente de alguns é que cada casa tem suas práticas e sua formação doutrinária. Não é sabido pela grande maioria que a religião de Umbanda tem fortes influências das matrizes africanas, europeias e ameríndias, principalmente. Há alguém que não sabe disto? Se ainda existem os que desconhecem, expliquemos mais uma vez:
Determinados terreiros mantiveram seus alicerces históricos anteriores ao advento de 1908, com o anúncio de “uma nova religião” trazida pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas. Tais templos ainda se baseiam nos ritos da população escrava, miscigenada e rejeitada pela sociedade, como por exemplo, as macumbas cariocas. Nestes lugares, o sincretismo era mais do que uma interpretação de religião, era a solução para a sobrevivência.
Assim, para minimizarem as perseguições (se isto fosse possível), seguiam o calendário da religião dominante no Brasil. O respeito à quaresma, além de ser conveniente não resistir, subjazia uma crença, também, de que o resguardo do período era favorável à proteção espiritual. Em outras palavras, as práticas religiosas, ainda que com profundos vínculos com as raízes africanas, também, incorporavam a outra vertente do credo nacional. Tínhamos, portanto, o que se denomina ressignificação de antigos exercícios em um novo cenário. O encontro de diferentes culturas (africana e europeia) em um único painel gerou uma perspectiva inédita. Nasciam assim os preceitos que mesclavam diferentes origens em um mesmo campo (as religiões sincréticas brasileiras).
Temos ainda casas espiritualistas que afirmam que o episódio “quaresma” pertence às religiões judaico-cristãs e, por esta razão, não precisa estar no calendário umbandista.
As justificativas são muitas para se inserir ou descartar os eventos e costumes religiosos. Algumas apelam para a tradição e outras para questões espirituais. Seja como for, o mais importante é entender que não se pode enclausurar a Umbanda como senhores inquestionáveis de uma verdade, correndo o risco de alimentar a visão alheia de que somos periféricos e carecemos de sacralidade. Evitemos, por amor à nossa religião, deferir as flechas das acusações em direção àqueles que, assim como nós, praticam o amor e a caridade (bandeira da Umbanda). Como não me canso de dizer: se o seu terreiro é de Umbanda, não pense que a Umbanda é só o seu terreiro.
Irmãos de fé, devemos nos unir contra aqueles que denigrem a imagem da religião com “marmotagens” e distorções que ferem a sagrada lei de Umbanda, sem gastar energia supondo que respeitar ou não um rito como a quaresma nos torna mais ou menos umbandistas.